Mucugê mergulha no universo de Conceição Evaristo

“Nem todo viandante
anda estradas,
há mundos submersos,
que só o silêncio
da poesia penetra”

Versos de Da calma e do silêncio, de Conceição Evaristo, foram lidos pela professora Angela Teodoro, ao encerrar sua conferência na abertura da Feira Literária de Mucugê – Fligê. Logo, o palco foi ocupado pelo maestro e violonista João Omar de Carvalho Mello, a violoncelista Gabriela Almeida Mello, a cantora Yanna Gusmão e o coro formado por João Luiz e Elton Becker.

Era a hora da homenagem à escritora. O silêncio tomou conta do Centro Cultural e a expectativa para o que estava por vir dominava. Sentada ao lado do grupo, Conceição ouviu e viu o público e a música em sinfonia. O maestro pediu para que as pessoas iniciassem emitindo um som, com a boca fechada, como um gemido. Foi como se o vento estivesse entrando por uma brecha, trazendo sussurros literários.

Suite calumbé, composta especialmente para a homenageada, em dois movimentos, faz referências a elementos da composição de Conceição Evaristo. “O prelúdio trabalha com essa dimensão do silêncio, mas também com evocação dos versos dela. Já a cantilena, o segundo movimento, foi inspirada no poema Malungo, brother, irmão. A letra traz uma série de lembranças e imagens da própria Conceição”, explica Elton, um dos autores da letra.

“No fundo do calumbé
nossas mãos sempre e sempre
espalmam nossas outras mãos
moldando fortalezas esperanças,
heranças nossas divididas com você:
malungo, brother, irmão” 

Com ouvidos atentos e olhos marejados, a plateia acompanhou cada acorde e cada verso do coro. “Emocionante a homenagem. Bastante comovente, vê-la ouvindo as pessoas falar sobre ela e vê-la falar. É muito emocionante e inspirador. A gente precisa dessas inspirações para continuar lutando”, declarou a estudante Hannah Abnner Ribeiro.  

Das telas de Silvio Jessé, que estão colorindo a cenografia da Fligê, saiu mais uma homenagem. Conceição recebeu das mãos do artista plástico a tela Lavadeiras, que está reproduzida na instalação em frente ao Centro Cultural. “Sempre que vou produzir alguma material dedicado a alguém ou a alguma obra, me preparo com uma pesquisa e com leituras, mas para esta homenagem, além da pesquisa, o que mais usei foi meu coração”, revelou Silvio.

Emocionada, chegou a vez da escritora transbordar o Centro Cultural com suas palavras e sua sabedoria. “A nossa escrita não começa aqui, ela vem de longe. Esse momento eu ofereço às mulheres negras que me antecederam e que já compuseram sua escrita, mas que a maioria construiu a sua sapiência e a difundiu através da oralidade. Esse momento é muito simbólico, porque foram essas mulheres que não tiveram acesso à escrita que me permitiram chegar aqui”, disse.

“Nós vamos ter bons encontros aqui. A nossa convivência vai ser uma convivência muito fértil. A fertilidade se dá justamente através da sensibilidade, do encontro com a outra pessoa, através do acolhimento”, finalizou a escritora que irá participar da Fligê em vários momentos, interagindo com outros escritores e com o público até último dia do evento.

Texto: Ailton Fernandes | Fotos: Vinícius Brito


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