A resistência na prática

O terceiro dia da Fligê na Galeria Arte & Memória, em Igatu, foi desafiador. Por volta das 10 horas da manhã, o público chegava para ver e ouvir a escritora Elisa Lucinda para um bate-papo, marcado para as 11. Deu o horário. Ela não chegou. Passou alguns minutos e a notícia de que ela ainda estava em Mucugê antecipou que a espera poderia ser maior. 

Um contratempo atrapalhou a programação. E estava posto o desafio: aguardar. Para ajudar o tempo passar, já que Elisa ainda enfrentaria as ladeiras e curvas da estreita estrada de terra que dá acesso ao distrito de Andaraí, um sarau improvisado brotou no meio das paredes de pedra e embaixo da sombra de uma árvore.

O ambiente inspirador e cheio de poesia incentivava os leitores a dar voz aos versos, acessados pelos smartphones ou gravados na memória ou mesmo escritos ali naquele e para aquele momento. Foi o caso da professora Ana Clara Schramm, de Alagoinhas, que visitava a galeria pela primeira vez.

“Vegetação calma da sensibilidade poética. Revisito ancestralidade da alma que mexe, busca vidas passadas, no alheio das histórias vividas neste chão”, escreveu em um guardanapo. 

“O ambiente é propício pra isso, um ambiente calmo, sensível, primitivo, natural, apaixonante. Eu me vi aqui, há uma busca da questão histórica nesse lugar, me inspira bastante. A realidade de cada um se expõe e a gente tem que apreciar essa sensibilidade que cada um carrega dentro de si”, declarou.

Entre uma poesia e outra, gritos e manifestos. Vozes que ressoavam contra as injustiças, o racismo, a violência, o feminicídio e as desigualdades. “Que bom que ela atrasou”, afirmou o artista plástico Marcos Zacariades, responsável pela Galeria.

“Perdão!” Elisa chegou já com esse pedido para o público. Logo entoou os versos de Brilho de beleza e anunciou: “eu vim não para falar de mim, de onde venho, o que já escrevi, eu quero usar a palavra para falar de uma coisa que é fundamental, falar da política que está em nossa casa, no nosso dia-a-dia”.

Assim, a escritora de 17 títulos, contou fatos corriqueiros da sua vida, das suas relações com o outro, coisas que acontecem com todas as pessoas e que necessitam de atenção para perceber o discurso que está por trás. “Não me preocupam os machistas, os racistas, os homofóbicos. O que me preocupa são as pessoas que reproduzem as atitudes racistas e machistas. As mulheres que legitimam o machismo, os negros que não se dão conta de que estão sendo racistas”, afirmou, lembrando o tema da conversa, E você, um escravagista ou um abolicionista mais moderno?

Com suas vivências, Elisa deixou a reflexão: quais atitudes estamos tomando hoje? Chamando atenção para as “gafes ideológicas, políticas, sociológicas e sem defesa”, definiu. 

“Valeu a pena esperar. Foi um momento mágico”, elogiou Marcos.

Texto e fotos: Ailton Fernandes


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